ATA DA PRIMEIRA SESSÃO SOLENE DA SEXTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA NONA LEGISLATURA, EM 17.03.1988

 

 

Aos dezessete dias do mês de março do ano de mil novecentos e oitenta e oito reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Primeira Sessão Solene da Sexta Sessão Legislativa Ordinária da Nona Legislatura, destinada a conceder o Título Honorífico de Cidadão Emérito e o Troféu “Frade de Pedra” ao Sr. Alceri Garcia Flores. Às dezessete horas e vinte e oito minutos, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Ver. Brochado da Rocha, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; o Sr. Gabriel Pauli Fadel, representando o Prefeito Municipal de Porto Alegre; Sr. João Severiano, representando a EPATUR; Sr. Salvador Rangel, representando o MAPA; Sr. José Garcia Flores, pai do homenageado; Sr. Alceri Garcia Flores, Homenageado; Ver.ª Gladis Mantelli, 1ª Secretária da Casa. A seguir, o Sr. Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Ver. Hermes Dutra, em nome da Bancada do PDS, congratulou-se com a Ver.ª Bernadete Vidal, pela autoria da presente homenagem, discorrendo sobre a justeza da mesma, em face da importância do Sr. Alceri Garcia Flores para a valorização e divulgação da cultura do nosso povo. O Ver. Luiz Braz, em nome da Bancada do PMDB, falou do trabalho do homenageado em prol do progresso de sua comunidade, salientando ser o objetivo principal do “Recanto do Tio Flor” não o lucro comercial mas, isso sim, o reconhecimento do homem e da tradição do Rio Grande do Sul. A Ver.ª Teresinha Irigaray, em nome da Bancada do PDT, destacou sua satisfação por participar da presente solenidade, discorrendo sobre o ambiente amigo e familiar encontrado no “Recanto do Tio Flor”, cuja hospitalidade é exemplo da alma do povo gaúcho. E a Ver.ª Bernadete Vidal, em nome das Bancadas do PFL, PCB, PC do B, PL e PT e como proponente da Sessão, discorreu sobre o valor do título concedido ao Sr. Alceri Garcia Flores, como reconhecimento da Cidade a um homem participativo, presente nas lutas da comunidade e na valorização turística e cultural de Porto Alegre e de todo o Rio Grande do Sul. A seguir, o Sr. Presidente convidou a Ver.ª Bernadete Vidal a proceder à entrega do Título Honorífico de Cidadão Emérito e do Troféu “Frade de Pedra” ao Sr. Alceri Garcia Flores, e a Sra. Magda Xavier Parker leu histórico relativo ao Troféu “Frade de Pedra”. Em continuidade, o Sr. Presidente concedeu a palavra ao Homenageado, que agradeceu o título recebido. Após, o Sr. Presidente fez pronunciamento relativo à solenidade, convidou os presentes a passarem ao Salão Nobre da Casa, afim de assistiram a um número artístico e, nada mais havendo a tratar, levantou os trabalhos às dezoito horas e trinta minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Ver. Brochado da Rocha e secretariados pela Verª. Gladis Mantelli. Do que eu, Gladis Mantelli, 1ª Secretária, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelo Sr. Presidente e por mim.

 

O SR. PRESIDENTE: Falarão em nome da Casa os Vereadores Hermes Dutra, Luiz Braz, Teresinha Irigaray e Bernadete Vidal.

Com a palavra, o Ver. Hermes Dutra pela Bancada do PDS.

 

O SR. HERMES DUTRA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, meus senhores e minhas senhoras.

Dizem que um dos pecados capitais é a inveja. Eu queria, então, me confessar hoje em estado pecaminoso, minha querida Vereadora Bernadete Vidal. Confesso que sinto um pouco de inveja pela idéia que aflorou à Vereadora Bernadete e que gostaria que tivesse aflorado em mim, porque esta homenagem que se faz hoje, se justa é, pelos méritos do homenageado, que certamente a nossa querida proponente vai, de forma detalhada e com mais propriedade, nos explanar, tem outro significado, meu prezado Tio Flor, que acho de fundamental importância e que deve ser ressaltado nesta tarde. Lamentavelmente, nós vivemos, no País, a realidade das coisas feitas e não as coisas feitas da realidade existente. E houve de se distribuir, por este País afora, um caldo de cultura, segundo o qual gostar das coisas nossas, amar o chão em que a gente nasceu, reverenciar o herói que morreu lutando pela terra que tanto amou, é coisa de grosso; tenta-se transmitir, principalmente através da televisão, uma descontinuidade gravíssima para a preservação da cultura regional, a idéia, que não é mentira, porque veio de Mc Luhan, de que vivemos em uma aldeia global, mas que é mentira, quando diz que esta aldeia global não tem fronteiras culturais, ela não deve ter fronteiras físicas, nem ideológicas, mas as culturais existem, e como são belas, ainda bem que existem; ainda bem que podemos ver um Tio Flor, ali, de bombacha, pilchado, bonitaço, como se diria na minha terra de origem e que não tem vergonha de assim se apresentar. E assim, prezado homenageado, é a maioria do povo do Rio Grande, de lá do Nordeste, do Sul, do Oeste, do Norte, o nosso povo simples, é assim, mas ele não encontra espaço nos destaques culturais, porque isso é cultura popular, e a cultura do povo, esta não encontra manchetes, esta, muitas vezes, não encontra sequer um palco para se mostrar. Então, por isso, Verª. Bernadete Vidal, me perdoe, mas tenho razão de dizer que V. Exa. teve uma idéia que causa inveja a todos nós, porque esta homenagem que se faz ao Tio Flor, repito, transcende a esta figura bonachona, e que até há uma música em que diz que há uma bailanta. Eu nuca fui na bailanta, fui ao restaurante, onde, por sinal, se come muito bem, e não sei se o pó levanta, mas que bom se isso é verdade, Tio Flor, e me dê o endereço, porque, de vez em quando, quero dar uma passada lá. Que bom, Verª. Bernadete Vidal que V. Exa. está nos proporcionando, nesta tarde, neste início dos trabalhos Legislativos uma oportunidade ímpar de começar o ano legislativo sob o bom signo, e começar o ano Legislativo com a certeza de que estamos começando com o passo certo, com a certeza de que estamos nos voltando para nossas raízes e, até mesmo, embora este ato possa não representar, na verdade significa também um pouco de repúdio a esta cultura alienígena que tentam nos impingir e que esquece os valores do Rio Grande.

Quem lhes fala é um homem do interior que encontrou nesta linda Cidade uma acolhida igual à da sua cidade de origem e que vê o quanto faz falta a simplicidade do homem do interior nos negócios que se faz na metrópole, quanta falta faz aquela humildade que não é simplória, como muitos tentam impingir, mas uma humildade que se agiganta exatamente por ser humilde, mas humilde porque não se quer pisar nos outros, porque respeita a grandeza dos outros. E esta Cidade, esta Capital do Estado, Porto Alegre, cuja população, mais da metade é de gente lá do interior, de gente que aqui veio tentar melhorar sua vida, buscar a sorte porque na sua cidade de origem não encontrou o que pretendia, e mesmo porque esse êxodo natural do interior para as grandes cidades é um fenômeno a que a modernidade nos impele e nada pode segurar, e esta cidade de Porto Alegre, que a mim recebeu e que retribuo apenas lhe dizendo que cada vez lhe tenho mais amor, sofre pela sua vivência cosmopolita de origem do cidadão porto-alegrense esse entrechoque de culturas que, aliado a essas mensagens, nem sempre boas, vamos ser sinceros, veiculadas pelos meios de comunicação, faz com que a gente muitas vezes esqueça que há um “Tio Flor”, que se interessa pelas coisas do Rio Grande e que faz aquilo que cada um de nós deveria fazer, que é botar para fora aquilo que sentimos por nossa terra, que é fazer pela cultura do Rio Grande aquilo que gostamos de fazer como macacos em função da cultura que vem de fora, mas, há coisas que nos trancam e nos impedem de fazer e homens como o senhor, Tio Flor, nos possibilitam as oportunidades de romper esta barreira e de dizer coisas que deveríamos dizer no dia-a-dia e não somente em dias de Sessão Solene. Não é fácil, eu bem sei, o trabalho de lutar pela tradição do Rio Grande. Há quem diga. E ainda, lá pela metade do ano passado, nesta Casa, tive um pega com um ilustre professor do Rio Grande que, em outras palavras, dizia que era coisa de grosso.

Ora, onde nós estamos? É que a elite intelectual do País e a pseudo-intelectualidade do Rio Grande inventa e insiste em não se curvar diante de uma realidade: que a cultura popular, mas a cultura popular mesmo, a cultura popular – perdoem-me o pleonasmo – do povo do Rio Grande é esta que se canta e que se vive nas pequenas comunidades do nosso Estado, dentro de Porto Alegre e fora de Porto Alegre, refiro-me a pequenas comunidades porque muitas vezes não se tem a oportunidade de expressá-la como fato vivenciado da grande comunidade que é a capital.

Acho que o trabalho que faz o Tio Flor dispensa qualquer comentários de minha parte, mas não poderia deixar de fazer esta rápida menção ao caro homenageado sobre a questão que envolve a cultura rio-grandense e a necessidade de manifestação abafada por uma suposta cultura que nos é impingida de fora, abafada pela falta de oportunidade e de condições de expressá-la, e, quem o conhece, quem vive um pouco as coisas do Rio Grande sabe que o Estado lhe é devedor e a Casa de Porto Alegre, a Casa do Povo de Porto Alegre, tenta resgatar um pouco desta dívida na concessão desse modesto gualardão em tão boa hora proposto pela Ver.ª Bernadete Vidal. Quero, ao lhe transmitir o abraço muito fraterno da Bancada do meu partido, o PDS, em nome dos Vereadores Rafael Santos e Mano José, dizer-lhe que estamos muito felizes com a concessão deste título, muito felizes mesmo, e que este trabalho seja redobrado, e que os “tios Flores” se multipliquem por aí afora, para que o Rio Grande consiga, de vez, encontrar a sua verdadeira identidade.

Um quebra-costela bem cinchado, tchê. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A seguir, a Mesa concede a palavra ao Ver. Luiz Braz, que falará em nome da Bancada do PMDB com assento nesta Casa.

 

O SR. LUIZ BRAZ: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, demais componentes da Mesa, como é que eu conheci o Tio Flor? Eu conheci o Tio Flor ajudando a comunidade do Menino Deus, eu conheci o Tio Flor envolvido nas festanças do Menino Deus, tentando fazer com que aquela comunidade pudesse se unir em torno de idéias e que pudesse, a partir dessas idéias, começar a ter um progresso comum. Assim foi que conheci o Tio Flor, sempre elegante, sempre divulgando a cultura gaúcha, sempre tentando fazer com que raízes tradicionalistas do Rio Grande do Sul pudessem falar mais alto. E eu acredito muito nesta espécie de homem que tenta fazer com que o passado tradicionalista que era vivido com essa pilcha, que era vivido com a lança, que era vivido com armas, pudesse se transformar para que essas armas cedessem lugar a um outro tipo de instrumento, e esse instrumento que se faz sentir a todo o instante, através da ação do Tio Flor, é o seu poder de estar sempre junto com a comunidade, sempre tentando oferecer apoio à comunidade, sempre tentando viver junto com a comunidade e, assim, se tornar popular, não através de outros trabalhos que não aquele de tentar ajudar aqueles que lhe são comuns. Assim, eu conheci o Tio Flor. E como é que nós podemos falar de um homem como o Tio Flor, ligado às raízes tradicionalistas, sem que nos referíssemos à importância que ele tem  para a cultura?

Nós temos que dizer – e somos obrigados a lembrar – que um povo sem cultura é um povo que não tem vínculos mais profundos que o une. Se o povo não tem cultura, esse povo não tem união, é, simplesmente, um povo, não chega a se transformar em uma Nação. E quando alguém como o Tio Flor faz com que essa cultura possa ser vivenciada, colocando lá, na Av. Getúlio Vargas, um restaurante que não tem o objetivo de somente ser um comércio em si, mas tem o objetivo de ser um transmissor dessa cultura do Rio Grande do Sul, quando um homem chega a esse ponto, quando um homem chega a ser falado nesta Cidade como o símbolo da cultura gaúcha, nós temos, realmente, que homenageá-lo. E quero, aqui, cumprimentar a Verª. Bernadete Vidal que teve a idéia de oferecer o título ao nosso amigo Tio Flor. Que bom Tio Flor, que bom que as homenagens que esta Câmara presta sejam, realmente, todas elas deste quilate. Que as homenagens que esta Câmara prestar a alguém tenha este objetivo, o objetivo de enaltecer as pessoas, de reconhecer o valor das pessoas, mas pessoas assim como o senhor, que fazem tanto, realmente, pelo Rio Grande do Sul. E que pode ser sentido este trabalho que é prestado ao Rio Grande do Sul por aquela comunidade amiga do Menino Deus. Eu falo mais do Menino Deus, porque eu conheci o trabalho do Tio Flor, exatamente, dentro do Menino Deus, lá na Associação dos Amigos e Moradores do Bairro Menino Deus. Foi lá que nós conhecemos o trabalho do Tio Flor. Ele que, de repente, deixa lá o seu restaurante e vai para a festa do pessoal do Menino Deus, e ele mesmo faz as vezes de cozinheiro, vai ajudar a servir, ele é aquele homem que as pessoas gostam de conviver com ele. Ele é aquele homem que, através da sua simplicidade, não afasta as pessoas, ele é o gaúcho que aproxima as pessoas, porque, afinal de contas, é a tradição gaúcha, hospitaleira, receptiva, e ele é assim. Ele consegue transmitir, no dia-a-dia, tudo isso: a hospitalidade do gaúcho, esta amizade do gaúcho, esta simplicidade do gaúcho, porque, quem olha assim o Tio Flor, apesar dos seus trajes sempre elegantes, apesar do seu ar sempre elegante, esse ar em outras pessoas poderia servir até para afastar; nele não, nele serve para aproximar. E, quando as pessoas se aproximam, elas não se sentem frustradas, não se sentem decepcionadas, elas se sentem, realmente, muito amigas, muito próximas, muito ligadas. O que seria, realmente, da nossa terra se as pessoas, se os turistas que aqui vêm não tivessem um lugar para poderem vivenciar um pouquinho da nossa cultura? É claro que nós temos outros lugares, como o 35, nós temos outros CTGs aonde as pessoas podem chegar em Porto Alegre e podem conviver com um pouco de cultura. Mas eu perguntaria para vocês: qual é a Casa, aqui no Rio Grande do Sul, qual o lugar, aqui no Rio Grande do Sul, onde as pessoas se sentem tão à vontade como lá no Tio Flor?

Homenageado por aqueles que cantam o folclore desta terra, homenageado por aqueles que fazem o folclore nesta terra e agora homenageado por aqueles que militam nesta Casa como representantes de toda esta comunidade. Parabéns, meu amigo Tio Flor, pela homenagem que você recebe, aqui, agora; parabéns pelo Frade de Pedra que você recebe como um homem que está sempre disposto a ajudar esta Cidade, como reconhecimento desta Cidade por todo o trabalho que já foi efetuado em prol dela. Parabéns, minha amiga Ver.ª Bernadete Vidal, pela brilhante idéia que você teve em homenagear esta figura tão importante para a Cidade. Um grande abraço, meu amigo Tio Flor, e que continue, assim, sempre receptivo às pessoas, sempre elegante, sempre hospitaleiro e sempre amigo de todos e ajudando aquela comunidade tão progressista do Menino Deus. Um grande abraço. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Pela ordem, fala, pelo PDT, a Verª. Teresinha Irigaray.

 

A SRA. TERESINHA IRIGARAY: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, Senhoras e Senhores, às vezes é muito difícil a gente falar, porque a emoção transborda do coração à boca e impede que realmente se diga tudo aquilo que se pensa e que já foi dito aqui nesta Tribuna. Já foi dita a feliz idéia da Verª. Bernadete Vidal que todos nós apoiamos. Já foi dito que na Casa do Tio Flor nós estamos sempre como se estivéssemos na nossa Casa; já foi dito que ali é o pólo cultural e central da cultura do Rio Grande do Sul, mas, pessoalmente, eu quero dizer ao meu amigo Alceri, ao nosso querido Tio Flor, da satisfação que esta Vereadora sente em poder homenageá-lo nesta hora, em nome da minha Bancada.

Estou feliz, estou gratificada, porque naquela casa eu sempre me sinto bem, e tão homenageada e destacada pela amizade, pela cordialidade, pela hospitalidade que nos irmana a todos naquele recinto. Tudo isso faz nos sentirmos como se estivéssemos naquela velha casa da fronteira, onde nos reuníamos sempre, aquela família grande, enorme, ao redor de um bom fogão a lenha, o fogo trepidando e o vento assoviando nos altos eucaliptos da minha casa.

Eu sempre me senti muito bem ali e, traduzo, externo essa minha homenagem nisso que estamos fazendo aqui nesta Casa, que também é um galpão da Cidade de Porto Alegre, onde todos os Vereadores confraternizam e expressam o pensamento do povo da Cidade.

Então, todos nós, irmanados, desejamos essa homenagem ao Tio Flor; todos aqui sentimos, nesta hora, todas as pessoas que aqui estão, teus amigos, sentem que há um reencontro de origens, um reencontro com as nossas tradições, com nossos antigos Farrapos, um reencontro com a nossa história, com a nossa cultura. Porque nós homenageamos, realmente, a nossa cultura, a figura que representa tudo isso na nossa Cidade: aquele gaúcho autêntico que chega lá e para qualquer um estende o mate, estende a cuia, num gesto cordial e que, traduzindo nos versos de Glauco Saraiva: “É aquele amargo doce que eu sorvo, num beijo em lábios de prata; tens o perfume da mata molhada pelo sereno; e cuia, seio moreno que passa de mão em mão, traduz no meu chimarrão, na sua simplicidade, a velha hospitalidade da gente no meu rincão”. É isso que nós sentimos na casa do Tio Flor. É essa hospitalidade que nos irmana, que faz esse reencontro com nossas antigas e tão raras tradições. E, eu vou mais longe, acho que nesse final de tarde, nesse pôr-de-sol que deve estar beijando as águas do Guaíba, esse mesmo sol deve estar vestindo de ouro e vermelho as campinas do Rio Grande, as nossas coxilhas, as nossas tradições. E podemos até sentir, aqui, um trotear de cavalos, vamos entrever o vulto dos farroupilhas e vamos sentir aquele cheiro bom de um churrasco amigo, que em qualquer rancho da fronteira ou da serra nós podemos encontrar.

Então, Tio Flor a nossa homenagem aqui, a homenagem dos Senhores Vereadores, de toda a Câmara Municipal de Porto Alegre, de todo este rancho, é para que tu saibas que nós estamos com o nosso coração cheio de amor. Cheio de felicidade por uma homenagem tão justa, tão merecida e que ficará certamente marcada na história desta Casa, porque ao mesmo tempo em que te é oferecido o Título de Cidadão Emérito da Cidade de Porto Alegre, que se engrandece e se engalana com este título, nós também estamos te dando o primeiro prêmio do Troféu Cultural Frade de Pedra, instituído pela Câmara Municipal de Vereadores de Porto Alegre. É um marco cultural, é um marco histórico, é uma homenagem festiva, é uma homenagem bonita em que todos nós, irmanados, te oferecemos. E não digo mais nada, Tio Flor, porque tem horas que a emoção corta e a gente não fala nada, porque a alma está de joelhos. Neste momento é como eu me sinto. Te abraço e te desejo muitas felicidades. (Palmas.)

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Mesa tem a honra de conceder a palavra à Vereadora requerente da homenagem e do título. Com a palavra a Verª. Bernadete Vidal, que falará em nome das Bancadas do PFL, PT, PL, PC do B e PCB.

 

A SRA. BERNADETE VIDAL: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, amigos, Senhores e Senhoras aqui presentes, há dias, Tio Flor, em que a gente se sente numa dupla condição. Eu fiz uma homenagem e hoje me senti homenageada quando, de manhã, ganhava flores, quando, flores, deveria ganhar o homenageado –, além do sobrenome as flores realmente deveriam ser suas. Por que não dizer que estou satisfeita? O nosso poeta Mário Quintana já dizia que “a modéstia é a vaidade escondida atrás da porta”. Confesso a ti, Tio Flor, e a todos que estão aqui, que me sinto também homenageada por ter pensado nisso, por ter trazido o nome de Alceri Garcia Flores à apreciação dos Vereadores de Porto Alegre que, unanimemente, concederam a homenagem. Homenagem que, já falaram meus companheiros, é a um gaúcho, a um gaúcho que fez sentir mais forte o amor pelo Rio Grande lá no Amazonas, buscando reverter toda a saudade que sentia em benefícios culturais a esta terra. Não foi fácil. Na época em que foi implantado em Porto Alegre o restaurante, com panela de barro, com comida bem campeira, bem gaúcha, com pilcha, não era fácil. Agora, está mais fácil. É bom que esteja fácil. Sempre alguém tem que abrir caminho. E o Tio Flor abriu este caminho, implantando, na Av. Getúlio Vargas, nos lugares dos bares de “rock”, da magrinhagem, dos jovens, um legítimo galpão gaúcho onde se come comida campeira e onde se ouve a música do Rio Grande, onde se cultiva o amor pela nossa terra. Esse foi talvez o primeiro motivo desta homenagem. Não precisaria aliar motivos. Aí está o Plenário cheio, como em poucas vezes. Aí está o Plenário todo a dizer “a Vereadora Bernadete Vidal tinha razão”, que homenagem bem feita, que homenagem merecida, pelos valores humanos, até, do homenageado, pela pessoa que é o Tio Flor, já enaltecida aqui, o gaúcho simples, afável, que recebe a todos tão bem, o homem de comunidade, o homem que não busca somente o lucro lá no seu restaurante, não busca somente manter a sua casa, ali na Getúlio Vargas, mas que se afina com todos os anseios da comunidade do Menino Deus, o homem que é da comunidade. E o empresário, também, não se alienou, não se enclausurou, buscou, através da sua atividade, uma união a todos os outros empresários, e aí está o sucesso desta entidade, nova é verdade, mas que já traz benefícios à comunidade de Porto Alegre, e ao Brasil, a ABRASEL, Associação Brasileira de Entretenimento e Lazer, da qual devemos ter representantes aqui, além do Tio Flor, que é o seu vice-presidente.

É a este homem que nós homenageamos, este homem bem afinado com a realidade, com a cultura, que procura fazer de Porto Alegre não só uma cidade de passagem, e nisso, Tio Flor, me afino tanto com o amigo, esta Cidade, Capital do Rio Grande do Sul, com todo esse potencial de cultura, com toda esta história que tem o nosso Estado, não merece ter este destino de ser cidade passagem. Não merece. Essa cidade que vê passarem do Sul para Santa Catarina, para o Rio, para o Nordeste, que vê passarem do Nordeste para Gramado, para Canela, merece que o Tio Flor lute por isso, o destino de ser, também, um pólo turístico.

Que bom, Tio Flor, que há mais pessoas, além da minha voz pouco brilhante que falam essas coisas. E por certo este título ajudará a esta luta. Espero que Porto Alegre chegue ao seu destino, mereça o seu destaque, porque aqui existem pessoas, como o Tio Flor, como outros companheiros que estão aqui e que exercem atividades culturais.

Eu gostaria, Tio Flor, de fazer uma homenagem à professora Maria de Oliveira Kern, professora do Tio Flor, que está aqui, veio abraçar e homenagear o seu aluno. Bem como a mãe do Tio Flor, que está aqui também, juntamente com o seu pai, que está na Mesa.

Porque, se esta homenagem tem um cunho cultural, esta homenagem tem também um cunho de prestigiamento da Casa aos empresários e às pessoas que exercem cultura. Esta homenagem, para mim, pessoalmente, é afetiva e é por isto que, juntamente com esta amiga, saúdo os amigos do Tio Flor que estão aqui superlotando este plenário. Sintam-se cada dia mais em casa, como nós nos sentimos em casa, Tio Flor, lá na sua casa. Como Porto Alegre, como o Rio Grande se sente reverenciado lá naquele Recanto de Entretenimento, de cultura.

Receba esta homenagem bem simples desta Vereadora que está pronta a lutar, não só para que a cultura do Rio Grande seja sempre ressaltada, sempre homenageada aqui nesta Tribuna, mas que também está pronta a abraçar contigo, Tio Flor, o trabalho comunitário que o senhor tão bem dá exemplo, que o senhor tão bem faz no Menino Deus e até como empresário.

Receba o nosso abraço e a amizade de sempre e a homenagem muito simples desta Vereadora. Muito obrigada. (Palmas.)

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: Convido a Verª. Bernadete Vidal a proceder à entrega do Título Honorífico de Cidadão Emérito ao nosso homenageado.

 

(A Sra. Bernadete procede à entrega do Título. Palmas.)

 

A seguir, assistiremos à apresentação do flautista Plauto Cruz.

 

(O Sr. Plauto Cruz apresenta-se.)

 

Faremos, agora, a entrega do Troféu “Frade de Pedra” ao homenageado, motivo pelo qual solicito à Sra. Magda Xavier Parker que leia o histórico relativo ao mesmo.

 

A SRA. MAGDA PARKER: (Lê.)

 

“Câmara Municipal resgata os Frades de Pedra da história

 

Até o início deste século, a paisagem urbana de Porto Alegre era integrada pelos Frades de Pedra, utilizados para amarrar os animais. Eram palanques feitos de pedra grés, da qual são feitas as lajes das calçadas, com altura variável até um metro e meio. De forma octogonal, tinham base maciça e a parte superior arredondada, em cujo centro se fixava uma argola de ferro.

Tanto o formato como a cor marrom avermelhada da pedra lembravam as batinas dos frades capuchinhos. Além da função básica de servirem para amarrar os animais, os frades determinavam o limite entre o passeio público e o leito da rua, coisa que naquela época não obedecia a um regime urbanístico rígido. Esses palanques enfileiravam-se às centenas, principalmente nas ruas de maior movimento. Símbolo da hospitalidade gaúcha, o frade de pedra era o primeiro sinal de cordialidade dado a qualquer forasteiro. Após amarrar a sua montaria, o visitante era recebido com o chimarrão e só depois disso é que se desenrolavam os negócios e a charla descontraída.

Em Porto Alegre restam, ao que se sabe, dois na Praça Argentina e dois no pátio do Museu de Porto Alegre, remanescentes dos tempos de um dos seus primeiros moradores – Lopo Gonçalves.

 

Troféu Frade de Pedra

 

Por iniciativa do presidente da Câmara Municipal, Brochado da Rocha, será instituído o Troféu Frade de Pedra. A escultura reproduz o cavalo amarrado ao palanque e pretende, conforme o Vereador Brochado da Rocha, traduzir o reconhecimento dos porto-alegrenses a todos aqueles que se identificam com os rumos da nossa história e que, de uma forma ou outra, defendem os interesses da comunidade.

Historicamente, o frade de pedra representa a hospitalidade gaúcha e é como símbolo de fraternidade que a Câmara o resgata para traduzir o agradecimento da Cidade de Porto Alegre aos que a ela tem dedicado o seu trabalho.”

 

(É feita a entrega do troféu.)

 

O SR. PRESIDENTE: Antes de passar a palavra ao nosso homenageado, gostaria de agradecer, em meu nome e em nome da Câmara de Vereadores, ao nosso querido cidadão emérito Plauto Cruz, que nos brindou neste momento com mais de uma de suas execuções.

 Com a palavra, o nosso homenageado.

 

O SR. ALCERI GARCIA FLORES: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, minhas senhoras e meus senhores, a bondade da Vereadora Bernadete Vidal, que vê com o seu cérebro privilegiado e o coração, com a aquiescência de seus pares, me traz à esta Casa para viver, a cada segundo desta solenidade, um momento de pleno êxtase, de volúpia e de elevação do espírito. Sejam, pois, minhas primeiras palavras de profunda gratidão à Vereadora Bernadete Vidal, que reconhece em nosso trabalho a promoção de Porto Alegre e de seus valores culturais e históricos.

Permitam-me os senhores que vos diga que tudo começou quando, aos 15 anos de idade, calças rotas, sem um tostão no bolso, mas cheio de confiança no futuro e com vontade de vencer, cheguei a esta Porto Alegre. Vinha como todo guri pobre vem: em busca do pão, do saber, e de melhores dias. Se esses dias puderam ter a luminosidade deste momento, foi porque figuras amadas como meu avô, aqui presente, e tantas outras tão amigas, tão irmãs, tão mães, que tive a felicidade de encontrar, souberam, com sua compreensão e afeto, acender o archote da esperança e me disseram: “Segue, o caminho é este! Vai pela estrada da doação e da honestidade, luta por ti e todos, vai por aí. Planta! Um dia haverás de colher”. E hoje eu colho! Pensei e ainda penso: como não amar estas ruas, este rio, o pôr-do-sol mais lindo do mundo, seu povo, sua história, suas tradições? Assim deixei-me ficar, para trabalhar, para estudar, para viver e, quem sabe, para crescer. Enquanto como garçom, idos de 1970, servia com prazer os meus clientes, fervilhava na minha mente a inquieta curiosidade de aprender mais, de alcançar novos horizontes. Foi por isto que em 1971 ingressei no CPOR, o que mais tarde veio resultar na possibilidade de conhecer todo o Brasil.

Residi no Amazonas, nas selvas e na cidade, e valorizei ainda mais esta terra e os seus valores culturais. Senti saudades e voltei. Pedi outra vez a mão de Porto Alegre para me amparar. Voltei com vontade de viver mais intensamente esta comunidade, de divulgar a sua história, o seu folclore e de ajudar a torná-la mais bonita, mais alegre e mais humana.

Tudo o mais foi conseqüência de trabalho duro, dia e noite, de sacrifícios, de crises, de tentar e não conseguir, mas voltar e tentar outra vez, na plena confiança de que os objetivos eram tão puros e dignos e por isto haveria de alcançá-los.

Em 1980 criamos o Recanto do Seu Flor. Era uma casa modesta, o embrião que daria condições de propagar ao Brasil inteiro as tradições, as danças, a música e a culinária do nosso Estado, acentuando o potencial turístico de nossa Porto Alegre.

Tivemos de ampliá-la, sem contudo deixar de ser um galpão rústico e autêntico, porque suas instalações não abrigavam mais o crescente número de turistas que nos visitavam, 8.000 por mês, aproximadamente. Muitos aprenderam com nossos artistas, uma frase, um verso, uma dança e saíram pelos quatro cantos do País a falar do nosso amor pelo Rio Grande. Este é o fato que mais nos conforta. Hoje sei que é a credencial que a Vereadora Bernadete Vidal teve considerada em  sua proposição.

Todavia, minhas senhoras e meus senhores, nada disso seria possível se não tivéssemos tido o amparo e a compreensão de nossa família, dos nossos amigos, da imprensa, dos homens públicos, dos nossos funcionários e principalmente dos nossos compositores, poetas, sapateadores, músicos e cantores. Pois eles representam a alma magnânima e o talento do povo gaúcho, expressando, assim como eu, o amor de quem vive nesta Porto Alegre eterna.

Sou teu Cidadão Emérito Porto Alegre, justamente na semana do teu aniversário. Me rejubilo contigo nesta festa e me sinto contente por viver aqui.

Sou Cidadão Emérito de Porto Alegre. Este é o Troféu maior de minha vida. Estou feliz, muito feliz. E haverei, com a ajuda de Deus, dentro das minhas limitações, de realizar tudo o que puder, pela minha, pela nossa Porto Alegre, até a exaustão das minhas forças.

Minhas senhoras e meus senhores, relevem-me se busco socorro no poeta. Em momentos como este, sinto as cordas mais íntimas do coração tão tensas como as cordas de um violino tangendo notas de emoção.

Sou Cidadão Emérito de Porto Alegre e por isto lhes digo como Maiakowsky: “Nesta hora, na geografia do meu corpo sou todo coração. Um coração apaixonado por ti, minha cidade”. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Na qualidade de Presidente deste trabalho, cabe ressaltar a feliz coincidência de, pela primeira vez, trazer para cá a entrega do prêmio “Frade de Pedra”, troféu para homenagear e que tem tantas vinculações com as tradições do Rio Grande do Sul e, especialmente, de Porto Alegre, que ora lhe concede o título de Cidadão Emérito. De fato, a cultura de Porto Alegre – não falo do Rio Grande, mas falo de Porto Alegre agora, tão somente – praticamente fica escondida, de tal forma ela é escondida que nós precisamos quase que procurar esta posição seguida ao longo do tempo, e há muito tempo faz com que reste apenas 4 destas pedras em Porto Alegre. Veja o nosso homenageado, veja os amigos do homenageado aqui presentes. E, se de um lado houve afeto, o sentimento de gratidão, o reconhecimento ao homenageado, há também, da nossa parte, a necessidade de mostrarmos que temos História, e que escondem a nossa História. Nós temos tradição, mas escondem e sonegam a nossa tradição e, pior, se disséssemos que a nossa tradição é escondida só depois do Rio Pelotas, em outras terras, é necessário que se reafirme agora, aqui, que é escondida também aqui. Alguns Vereadores citaram o elitismo. É verdade, mas também é verdade que as pessoas, na avassalante e rápida urbanização, se esquecem que as pessoas, as cidades têm História e tem tradição, e que, ao esquecê-las, estamos, em verdade, tornando-nos, aceleradamente, pessoas sem memória, e a falta de memória cultiva, sobretudo, a irresponsabilidade. Por isto, julgo muito feliz a coincidência hoje estabelecida, onde conseguimos mostrar não só a nossa homenagem e o nosso preito de gratidão ao novo Cidadão Emérito mas, sobretudo, mostrar, de público, que nós próprios andamos e esconder as coisas, a história e as tradições de Porto Alegre. Com isso, fica, para todos nós, neste ato festivo e fraternal, uma contribuição que cada um, de per si, poderá oferecer à nossa Cidade, aos nossos amigos que nela vivem, fazendo com que renasça uma nova Porto Alegre, com características mais reais, e assumindo um perfil mais definido, onde a história não fique relegada a um plano tão secundário e que fique bem claro os que se envergonham dela ou os que tem amor, carinho e fraternidade para com ela.

Somos profundamente gratos aos momentos que os senhores que visitam esta Casa ensejaram ao nosso homenageado, aos seus familiares, e à Verª. Bernadete Vidal, que, quando propôs e recebeu a acolhida desta Casa para realizar esta homenagem, fez com o sentido de que avançássemos, que comprometêssemos o Cidadão que, de fato, era um cidadão de Porto Alegre, mas que apenas hoje lhe é conferido um diploma, muito pouco, mas o suficiente para sabermos que o Poder Público não se encontra tão afastado quanto possa parecer dos valores da sua Cidade.

Convido os Senhores para que possamos assistir, no Salão Nobre desta Casa, a uma contribuição que o homenageado oferece a todos nós das tantas que já fez à Cidade de Porto Alegre. Muito obrigado. Estão encerrados os trabalhos.

 

(Levanta-se a Sessão às 18h30min.)

 

* * * * *